quarta-feira, 30 de abril de 2008

E o Mórbido Tornou-se Cômico

Talvez por eu não ter muita frescura, ter sempre algum pitaco a dar ou por gostar escrachadamente da esculhambação, acabo presenciando (ou participando) de diálogos inusitados, por vezes bizarros.
Contexto: estava na casa de uma família que são duas irmãs. Todo mundo muito a vontade na mesa do almoço (e eu lá, quase membro do clã). A matriarca sempre achou que a mais velha fosse facilmente influenciável, até boba. O que de fato não acontece, ela é lentinha mas duma personalidade forte de fazer orgulho. Então ocorreu da mãe perceber a primogênita passar vários dias mais tristinha, chorosa, e logo começou a especular o motivo. Acreditou que poderia ser por causa daquele sujeitinho salafrário que ela de vez em quando ficava. Perguntou e a filha nada disse. Então o coração de mãe começou a ficar angustiado (sim, ela é bem exagerada) e culminou numa ligação pra uma amiga da filha sofredora:
- Alô? Maricota*, você sabe porque Francisnalva* tá triste assim? Genival* aprontou com ela foi?
- Tia Joana, num tô sabendo de nada não.
- Maricota, pode falar, você sabe que aqui não tem besteira. O que foi? Ela deu pro Genival foi? Pode falar! Deu e se arrependeu?
Maricota teve uma crise de riso homérica. Quando retomou o ar respondeu:
-Tia, eu e Francisnalva não temos mais jeito não!!! Estamos zeradas, quando morrermos vamos ser enterradas em um caixão branco!!!

A conversa na mesa partiu daí, a Lacradinha da Silva Sauro contando o que a progenitora tinha feito. A irmã mais nova tinha tido um namorado há pouco tempo, e como se diz aqui no nordeste, tinha “coisado” com ele. Quando a mais velha falou do caixão branco, a mais nova imendou, toda alegrinha:

-Ah, eu também quero um brancooooo!!!

(cri... cri... cri... silêncio no recinto)

E o silêncio foi quebrado pela frase da mãe, que desencadeou uma crise de riso coletiva:
-Janete*, se você quiser o seu pode ser rosa... branco não dá mais né? Se fizer questão do branco, a gente põe aqueles apliques de florzinhas, vai ficar um luxo!

No mínimo inesperado pra uma conversa familiar em plena mesa do almoço. Exemplo máximo de liberdade de diálogo entre mãe e filhas. E da capacidade de tornar cômico até a mórbida escolha da cor do caixão...


*Nomes fictícios para preservar a identidade dos envolvidos.

domingo, 6 de abril de 2008

Vaca Profana Balançando seu Vestido

Sim, observar a infância me é algo recorrente. A espontaneidade pueril e a simplicidade de como vêem a vida são coisas que deveríamos tentar retomar na fase adulta.
Neste momento estou no ônibus retornando de vez a Natal. Com meus cinco volumes de bagagens e uma enxurrada de pensamentos (na velocidade e força dos que me ocorrem no “Banho”, mas considere-se que são cinco horas de viagem!). Pois bem... e onde está a infância? Bem atrás do meu banco, e não me deixa esquecer disso a cada chutezinho que dá na minha poltrona. Mas não foi isso que me fez sair do meu labirinto de pensamentos. Enquanto eu tentava arrumar uma solução para as minhas últimas lâminas dos experimentos, ela empolgadamente cantava: “Babalu. Babalu da Califórnia, Califórnia Babalu. Estados Unidos balança seu vestido, pra frente, pra trás, assim que a gente faz”, enquanto fazia um emaranhado de batidas nas mãos.
Babalu? O Bubaloo da goma de mascar? E o seu ciclete tem que ser da Califórnia? E os Estados Unidos seriam uma linda menininha com pintinhas na bochecha dançando quadrilha balançando seu vestido de chita?
Seguiu a cantoria com o: “Com quem? Com quem? Com quem será que Fulaninha vai casar? Loiro, moreno, careca, cabeludo, rei, ladrão, policia, capitão. Estrelinha um, estrelinha dois, estrelinhaaaa três!”, lançando a sorte do casamento (e do “futuro-para-todo-sempre-amém”) da amiguinha (que nesse momento era imaginária!!!) de acordo com o numero de dedos entre elas após a canção. Nossa! Como casamento é um tema constante entre as menininhas! Desde as musiquinhas cantadas no intervalo da escola até o desejo de ganhar no Natal aquela Barbie noiva maravilhosa...
Mas voltemos ao Babalu americanalhado: se a garotinha sabe o que estava cantando? Claro que não. Nem ela nem uma boa seqüência de gerações. Eu mesma cantava já com esses inexplicáveis versinhos, que devem ser muito diferentes dos originais (aliás, eu nem cantava tanto essa, porque sempre eu fazia pra coleguinha: “ouche, vamos essa musica não! Coisa mais doida, Estados Unidos balança seu vestido, onde já se viu?”- sim, eu era uma criança muito enjoada e metida a precoce).
Pois é, para as crianças (normais!) pouco importa quem balança o vestido e qual é a procedência do ciclete, mais interessante é fazer batidas sincronizadas com a amiga, e uma seqüência de: “agora a do ‘com quem será!’, agora a do ‘boneco de lata’, ou (talvez uma das mais indecifráveis): ‘din-din castelo, mal assombrado, cheio de ratos por todo lado, a princesinha, a coitadinha, o nome dela era Tintim”.
Ai a gente, na fase adulta, depois de ter passado anos a fio por essas cantigas, fica se perguntando: “Caetano, o que é vaca profana”? "Açai, guardiã, zum de besouro um ímã”... Djavan, tudo bem com você? Essa nossa mania de querer entender tudo... Melhor seria se andássemos cantarolando (tá, vamos trocar as mãozinhas coreografadas por batidas de dedos marcando o ritmo sobre a perna para não ficar tão patético) pelo prazer de cantar enquanto seguíssimos a vida com mais clareza e simplicidade.